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"Todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias e mentiras."
(H. Hesse).

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Calígula

            Foi num sábado, um dos sábados que me assolam volta e meia. E aos sábados, quem é casado sabe, a escolha do programa é dela, no caso, delas; pois partimos para o teatro, tangidos por minha mulher e prima e amigas, e respectivos maridos, um séquito.  A peça escolhida foi Calígula. Peça escrita por Camus em 1939 e reescrita até a versão final em 1944. Desnecessário dizer que a presença de Tiago Lacerda, havia acendido o lúmen humanista e existencialista das meninas. Das que nos acompanhavam, e das que já estavam lá. Uma festa. Teatro lotado, sorte que comprei antecipados os ingressos.
            Já aboletados, ouço a uma mocinha, falando a uma senhora, mas ainda muito bonita, que no terceiro ato ele tira a roupa. Confesso assustado que não esperava por isso. Pouco sabia da peça. Havia lido a “O Homem Revoltado” (coletâneas de textos de Camus), onde muito das ideias humanistas de Camus, são colocadas em aberto, ideias que já o acompanhavam quando da redação final da peça, e nada havia sido comentado da nudez do personagem principal. Temi então por uma “forçada de barra’’ da produção, o que verifiquei não aconteceu, o Tiago, NÃO TIRA A ROUPA!!!
Tenta sim, tirar sua alma e mostrá-la a plateia, e o consegue em alguns momentos.
Um senhor atrás de nós comentava sobre a pretensa pornografia do Calígula cinematográfico, em que devia sua pretensa fama, as constantes proibições de exibição nas redes televisivas. Todos se esquecem ou não sabem da grandiosa armação dessa antiga “produção’’ da Penthouse, sim, a revista americana de mulher pelada!  Filme esse, que os próprios artistas renegam a participação, usada e abusada pelo editor da revista que adicionou sequências pornográficas inteiras. Uma armação ridícula, o filme, não a peça, essa.tem seu palco arrumado com um trabalho cênico bonito,  inovador, econômico , mas para algumas cenas, subutilizado .
            As pessoas que esperam por um Calígula histórico, chocam-se ou não entendem que o que observam, não é ao imperador romano, neto de Cláudio, mas a uma figura retórica, que significa em quase todos os atos, a nós, os assim chamados seres humanos. Desnecessário lembrar, que o mundo produzia a  época o lamentável morticínio de milhares de seres humanos, na segunda guerra, da guerra fria, Coréia, grande marcha, Gulags, havia morticínio para todos os gostos e desgostos. É disso que trata a peça. Da loucura,do horror, como dizia o major Kurtz, psicografado por Coppola, mas isso é um filme, quevirou um livro, escrito por um britãnico,  que na verdade era Polonês, adorava o mar e escrevia em  inglês castiço.
            Calígula era cidadão romano e Camus cidadão do mundo. A peça é a mais famosa do escritor, o que não impediu que Sartre e a camarilha, comunista francesa, rompessem com Camus, pelos aspectos particulares e individualistas de seu pensamento. Lembre-se, que na época, individualismo foi crime, crime de lesa pátria.
             Tiago é um bom ator, é novo e seus companheiros de elenco, na maioria, estão corretos em suas atuações, nenhum grande arroubo, nenhum frisson, corretos. Por vezes, monocórdicos. A atriz Magali Biff, ressalta-se, pelos “cacos’’, que criam momentos levemente engraçados, forçando a uma pausa no drama, e no sorriso, sente-se a plateia mais descontraída. Emoção, a peça tem demais, falta, em minha opinião,  ritmo. Ouve-se a pouca música. Ela poderia pontuar mais, permitindo aos atores explanar suas emoções mais comedidamente, sem arroubos de gritos e inflexões desnecessárias. A direção poderia ter exigido mais da presença de Tiago, em seus muitas vezes repetidos gestos de desespero, e que às vezes, dificultam ao entendimento do texto, de resto, bem recitado.
Tiago precisa perseverar. Tem a vontade, e isso é quase tudo. Surpreende pela entrega, não se espera do galã, mais do que um arquear de sobrancelhas. Lembremos que Tiago emula aos grandes canastrões construídos por mídias e processos associativos mentais antiquíssimos, da estirpe de Douglas Fairbancks, Clarck Gable, Tarcísio Meira e etc. Em sendo assim, ele está no bom caminho, resta manter-se nele .
           

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