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"Todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias e mentiras."
(H. Hesse).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Criação ou Apropriação?!

           Na coluna do Ancelmo Góis, do Jornal: O Globo de Domingo, o poeta maior do Brasil, Ferreira Gullar, reclama do possível plágio a um poema seu. No caso “Traduzir-se”, esse é o título, que teria sido copiado pelo chato dos chatos, o menestrel  auto esquecido da MPB, (isso, enquanto existia MPB), Oswaldo Montenegro, em 1980, sintomaticamente a década sem música.
            Poetinha..., e aí, roubo também descaradamente ao epíteto à outro colega dele, também poeta,  menor em letras, maior na música. (Meu Deus, essa discussão tende a ir longe).
            Então sigamos com uma amostra da verve de um, frente ao sonho de outro:

             “Uma parte de mim é todo o mundo
             Outra parte é ninguém: fundo sem fundo”.

            E segue “Metade”, no caso, a tal letra, poesia do outro, o Oswaldo.

            “Porque metade de mim é o que eu grito,
             Mas a outra metade é silêncio”.        

            Sacaram o plágio? Tá certo. O Ancelmo avisou aos incautos, e mais bobo do que eu, não haverá. "As duas obras são completamente distintas” Tá bom! Droga! Então porque a querela?
            A confusão quem cria é o poeta. Ele descarta coincidências e inspiração. Id e supra mundo.
            Olhemos em volta. Quem lê poesia hoje? Em qual escola pública, estudam-se os poetas, como se de um todo literário, parte fizessem? Não digo: Lorca, Pound, ou Elliot. Não citemos aos de língua portuguesa, posso queimar o palato.
            De repente, surge uma mestra do Tocantins, que revê com seus alunos diariamente: a Bandeira, Drumond e Pessoa. Acho difícil, mas vá lá. Ah, droga (outra vez), afirmo então. Poesia é arte morta no país! Coragem prossiga... Ninguém lê poesia na Terra Papagalis! Ainda... A maioria do Brasil confunde poesia com letra de música, cita Drumond se perguntado,  porque viram no Fantástico, vocês sabem “o show da vida” e de Bandeira, sabem só ao feriado, entendam, o dia da pátria. Duvidam?
            Seu Gullar tenha dó. Sua arte permanece ótima, seus dons, creia, ainda são fantásticos, mas  reflito no  aforismo de  Elliot “Os poetas imaturos imitam, os maduros roubam”
            De Ben Jonson a Picasso, toda arte talvez seja influência repartida. Borges não cria que todo escritor cria seu predecessor?
            Desde que a arte transmutou-se em mercadoria, apropriação e pecado, formaram a dicotomia mestra do mercado. George Harrison e Lennon já haviam dito: “que o controle criacional do compositor deveria ser abolido”.
            Existem bilhões de formulações interativas possíveis em música, mas graças ao gigantesco poder midiático, ouvimos pouca variação na música popular. Pior, ouvindo constantemente música, quem cria pode vir a “engravidar” seu cérebro, com espúrias influências. Os próprios compositores e produtores procuram copiar fórmulas vitoriosas, leiam-se, canções campeãs em venda. (como se ainda existissem canções). Quem não passou pela experiência de ouvir como outra, a uma nova música?
            Então os “safados” de plantão agora cometem “apropriação cultural” sofrem de “contaminação tautológica”?  É bem assim, mas persiste nosso senso.
            Mesmo em épocas de franco relativismo cultural, bafejado pelo vazio artístico e lambido pela gratuidade da internet, ainda restam alguns que se importam: os que lêem.
            O que manda é o crossover, a soma, a encruzilhada, o meltingpot, e vamos nós.
Há bem pouco tempo, discuti com um amigo que teimava em acusar de larápio, ao compositor Donga. Tudo por causa de “Pelo telefone” o samba registrado na Biblioteca Nacional pelo músico e o parceiro o “peru dos pés frios”, Mauro de Almeida, um jornalista “branco”. Segundo informações, a música uma criação coletiva dos jovens músicos negros, que não saíam da casa de Tia Cíata. Imaginem uma casa que englobasse um centro de candomblé, ateliê de costura, em épocas próximas do carnaval, onde se comia e bebia “a vera” e fartamente, onde brancos e negros tinham vida em comum, comungando das mesmas artes e ofícios. O que brota desse cadinho pertence a quem? É possível, que Mauro tenha dado a feição final, ás várias versões da letra.
            Por isso Gullar (quanta intimidade) não se avexe. Sua poesia continua sendo cantada. O Globo o tem incluído em seus programas. Tenho-o visto na GNT, em anúncios culturais, em horário nobre, em entrevistas mil. O maior poeta do Brasil, 88 anos, pode muito bem ter influenciado ao Montenegro. E afinal, a sua poesia é a que ficará.
            E cá para nós... Vocês combinaram isso não?

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