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Bem Vindo!

"Todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias e mentiras."
(H. Hesse).

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Flâneur Ataca Outra Vez



            Não poderia ser de outra forma, outro feitio. Ele voltou. Porque, para os não iniciados, uma rua é só um corte, uma artéria da cidade (bem entendido), pessoas e prédios, poeira e carros, barulhos mil e poluição. Mas para o flanêur, a rua é mais do que isso: “...a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma.... A rua é transformação das línguas... As ruas nos dão impressões humanas... A rua é um ser vivo e imóvel.” “...Há ruas que mudam de lugar, cortam morros, vão acabar em certos pontos que ninguém imaginara... A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaira á noite, treme a febre dos delírios, para ela como para as crianças, a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste e quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações é no encanto da vida renovada... Tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguear com o céu...”
            Não poderia ser de outro modo, o retorno do flanêur, segue a risca ou tenta os ditames dos escritores João do Rio, Balzac e Stern (grande mentiroso, mas bom narrador de lugares e pessoas). E daí? Daí veio um tudo cultural, que nos permeia até agora, no nosso tempo. Somos formados, edificados, por nosso passado.
            Reconhecemos com facilidade os arroubos ainda senhoriais de nossa corte política, tresloucamos, mas ainda aceitamos, quando apanhados em flagrante delito, os ricos posam de inatingíveis, como se barões ainda fossem. Estamos em pleno século 21, mas nosso passado ainda se faz presente em nossa memória atávica, infelizmente, mais do que na visual. A destruição / remodelação, produzida por nossos políticos no início do século XX, levou embora muito das construções históricas importantes, principalmente as do período colonial, algumas ainda presentes, aí sim, felizmente, em nossas igrejas.
            Peregrinávamos, eu e minha esposa fotógrafa, pelas ruas ancestrais de nossa cidade. Procurava pelas citações de esquinas perdidas, locandas escondidas, pinturas murais em bares [próximo artigo]. Seguíamos a um corolário, que se revelou falso. Não encontramos o que procurávamos, e encontramos ao que não esperávamos. Já notaram como essa dubiedade da realidade é sempre prazerosa? Comigo ocorre amiúde, espero por algo, e ganho outra coisa, bem superior em benefícios. Pois, como dizia, andávamos... E andar no Rio 40 graus, a sombra é único.
            A cidade diminui seu tempo, pisa no freio, e resplandece. As pessoas estão mais irascíveis, é verdade, mas afinal estamos em plena globalização, disputas, sobe e desce de cargos, os patrões desapareceram, acima agora, os portadores de obrigações, ações, porções e essas pessoas estão em outros estados, outros países, outros planetas, enfim, (sempre quis dizer isso, e continuar falando, como todos fazem) as pessoas estão mais “nervosas"
            Talvez seja essa a palavra. Não importa. O Rio não nos engole como fazem outras metrópoles. O Rio é capaz de sozinho nos apaziguar, transmutar, ao nos oferecer as belezas às vezes recônditas de nossa cidade.  Entre essas maravilhas o Mosteiro de São Bento. Encarapitado sobre morro, em pleno centro do Rio, oferece sofregamente e regiamente, o regalo de suas inúmeras belezas arquitetônicas, artísticas e por que não dizer turísticas.
            Reverências Mouras, esculturas em madeira, riquíssimas filigranas. O Brasil é o país onde o Barroco tardio mais se expandiu e manteve um desenvolvimento bastante peculiar. Imaginem: século XVIII, nascimento do príncipe em Portugal, comemoração no Brasil, (Rio, São Paulo, Salvador e Pernambuco).
            “...Quem naquele dia, subindo a ladeira, se misturasse a multidão espalhada pela igreja dos religiosos de São Bento assistiria á realização de um espetáculo minuciosamente planejado para atingir o coração dos presentes por meio da atração que deveria exercer sobre olhos e ouvidos.”
            Paredes esculpidas em madeira e recamadas de folhas de ouro, intercaladas por esculturas em pedra, archotes colocados a intervalos regulares, que com sua iluminação bruxuleante, faziam com que as imagens ganhassem um vívido contorno; mesmo assim, as paredes eram recobertas por tecidos em cores vivazes, panos vermelhos, veludos debruados por fios de ouro e prata, recobriam aqui e ali as esculturas soberbas cento e vinte castiçais de prata no púlpito, iluminavam a Virgem de Montserrat, em uma aparente pirâmide de fogo.
            E acima de tudo a música, massa envolvente e harmoniosa, feita da soma de sons de instrumentos e vozes, a cargo da Irmandade de Santa Cecília. Na América e a época, única em saber e organização musical. O coro, instalado em parte elevada, acima da porta de entrada, acompanhava o órgão em evoluções gregorianas sacramentais. O coro efetuado pelos monges, investidos da obrigação de comparecer ao ato, colocava Montserrat, acima de todas as igrejas do Rio, quiçá, do Brasil.
            Creio que ainda hoje, os nossos religiosos crêem ser a missa em seu interior, nesses momentos de magia, o fator principal para o arrebatamento de nosso povo a época. Lindo o cenário! Mas não podemos esquecer que no período, poucos entendiam do latim balbuciado pelos padres. A soberba sede religiososa, não permitia a entrada do populacho, os escravos assistiam a missa do lado de fora, os homens ao fundo e a volta, as mulherese suas acompanhantes, açafatas e escravas, postadas ao centro da nave. Também havia disputas por posições nas laterais “...De acordo com a lógica dessa disputa, recebiam a cotação mais alta as áreas situadas nas proximidades mais imediatas da capela mor.”
            Falei, e falei. Vejam as fotos. Algumas prejudicadas pela proibição de uso do flash, mas assim mesmo corretas em mostrar o que foi o Barroco no Brasil.
Em outras,o milagre benfazejo de uma fé, que se esprai por todo um recinto, ainda e eternamente.
 Em uma, pecado, a fotógrafa, faz-me quase alçar a luz de virginal iluminação, que digo, não faz parte de meu eu, mas vá lá, é uma prova de amor, então que seja. Em outras mostro pequenos detalhes arquitetônicos importados de um Portugal esquecido. Em outras mais, O inigualável Rio. Peço que abstraiam a modernidade, se isso for possível. Imploro mais um pouco, foquem o olhar ao infinito, onde a baia desdentada, a boca banguela de Levy Strauss ainda corre, e vejam ao que o flanêur tanto procura, em sua infatigável caça do antanho.






























             A beleza ainda resplandecente do Rio, de ontem e de hoje.
             Acrescentamos fotos do Centro do Rio, para que creiam que o flanêur, permanece e se manterá impecável.





























Citações da bibliografia:
Cotidiano e vivência religiosa, entre a capela e o calundu- Luiz Mott
Brasil de Todos os Santos – Ronaldo Vanfas e Juliana Beatriz



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Irmão

        
         Parem as impressoras, detenham o prelo. Algo novo nasceu sobre o sol. Minha carne. Um dos pedaços de minha mãe, pariu arte.
         Incontestável instrumento artístico,  como soi  raríssimo acontecer hoje em dia.
         Criar é algo especial. É como um parto, e vê-la brotar é prazeiroso, é essencial.
         Porque é preciso deixar as máquinas fora do assunto. Criar é um brotar. Tem a ver mais com plantas que com humanos.
         Extrema delicadeza, assunto, prontidão de espírito, afabilidade e reconhecimento.  A tônica do criar. Um nobre paganismo ressuscitado, um frescor de antanho. Arte!
         Exata e contínua. Orgulho-me que ele a tenha alcançado a ARTE! Vejam só, a arte e seu meio são contemporâneos. Impossível, o contrário. Criar é estar em sintonia, é marejar o tempo.
         Esquecer de si mesmo. Transparecer na obra, como você conseguiu em música. Alcançar a  vida, que vai afoita aí a frente, construindo os mitos que atingiremos  e não entenderemos, sendo o principal a arte. E aí a vida, observando nosso assombro pergunta: _Qual o animal que de dia...  Não importa, você  agora sabe a resposta.  
        Nada da caricatura moral, que se lê hoje em dia, teu livro eu sei, traduzirá o sensível mundo que nos acolhe. E nas certezas de Ruth afianço.

         Um beijo irmão.