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"Todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias e mentiras."
(H. Hesse).

sábado, 16 de novembro de 2013

A Volta ao Mundo em Oitenta dias*




Escrito na segunda metade do século dezenove, manipulado como um romance de aventuras, que reveste na verdade a um compêndio, o livro não se insere no estilo em moda no período, o Romantismo – Guarda não a signos, mas listas, um apanhar ligeiro de usos, costumes, algo da cultura popular e fazendo jus à fama, Verne lança um repto há ser galgado por uma arte, na época, ainda por se desenvolver, o Cinema.

Criado por um Francês, admirado pela pujança alcançada por uma Inglaterra em pleno fulgor de sua Revolução Industrial, traz como “herói”, Philleas Fogg, uma corruptela significando, a um filho da velha Albion enevoada, que em 1872, aposta durante um jogo de cartas, que poderia dar a volta ao mundo em 80 dias. Para isso, parte célere com seu novo criado, Jean Passepartout. Pelo Cairo, Índia, Japão, China e Estados Unidos, numa viagem pontilhada por aventuras e reviravoltas, que tem em seus personagens secundários, o moto das peripécias por que passam Fogg e seu bando, acrescidos do oficial Fix e da bela Indiana, há quem se inserirá um final feliz.
Texto aberto e vemos elencados, Institutos Culturais, profissionais, os negócios Supra Nacionais, (gelo dos Estados Unidos, Vinho de Portugal), Companhia das Índias Orientais, mercadores de ópio e anil, Great Indian Railway, um inventário, propaganda nada sediciosa, corolário de maravilhas do espírito humano, perpassadas por esquisitices sociais; personagens históricos e fictícios, figuras simbólicas e ambiguidades de julgamento, um texto sem religiosidade alguma, nada de psicologia, coalhado de paradoxos, como só o ser humano possibilita.

Fogg habita a casa que foi do escritor que inventou o vampirismo, e os contos de terror Ingleses, e tem-se o mistério, é um Esquire! E temos dignidade, dinheiro e dons mercadológicos. O Império onde o sol nunca se põe, espraiara seu domínio, suas estradas de ferro, suas leis e seu ópio, por regiões imensas no globo. Paradoxalmente, sendo uma elegia a Inglaterra, a região mais descrita, percorrida e aventuresca no romance, são os Estados Unidos. Com um mesmo olhar surpreso de um Tocqueville, impressionado com a “mobilidade dos Americanos, a ausência de raízes, o empenho febril e a obsessão pelo dinheiro” Verne apresenta a América e suas armas, índios Pawnies, Sioux, equilibra tudo com uma arenga contra os Mórmons e suas crenças, enquanto ajuda a criar a mística do Far West, influenciado talvez pela excursão que Buffalo Bill faz a Europa com seu circo. Descreve cinematograficamente uma luta contra os Sioux, soldados do exército, um rapto, busca e tiroteios, que o cinema desenvolverá em 1902, na mesma América dourada.

A vitória Americana na regata de 1851, na Inglaterra, com certeza colaborou para a visão de “arrojo dos simplórios Americanos”, como citado, enquanto navega, e a fortuita citação a Branshaw, criador de prolífica e popular série de mapas ferroviários e de navegação interior, com seus respectivos horários, Verne segue sua ode a pujança Inglesa e Européia de suas linhas férreas (págs.174, 175,176 e 177) demonstrando a sede de progresso do período, enquanto enumera as Americanas, maiores e então, em rapidíssimo desenvolvimento
Parecendo mesmo propaganda, as armas, que Fogg utiliza na América, são Enfield, Inglesas, (pág. 169), carabinas de ferrolho, e não as pistolas afamadas de tambor, americanas; enquanto acompanhamos as mudanças técnicas e tecnológicas que ocorriam no período.
As mudanças das velas pelo carvão nas embarcações, a velocidade sendo por vezes, outra personagem, tantas vezes surge em citações, os novos designs das embarcações, os vagões de trem especiais, desde 1825 com passageiros, o aço e sua nova composição, mais duro e durável, novas caldeiras para conter e expulsar a todo esse vapor, a imprensa, que ele cita como itinerante, com sensível surpresa e que traduz a muitos dos diferenciais dos dois Continentes; também o que veria a ser o paradigma Americano, os emigrantes e a terra da Promissão, ainda não como a terra da Liberdade, mas a da corrida do ouro Californiano e sua derrubada das Fronteiras do Oeste. Mesmo confundindo nomes como: Los Angeles, tratada por Los Santos, mesmo lá pelas tantas, dizendo que os Americanos “não estão à altura de suas instituições, ou não pesquisando muito bem o trabalho policial, em alta no período, tanto na França como na Inglaterra fazendo de Fix, policial Metropolitano, e não da Scotland Yard, mesmo assim, após variadas peripécias, Fogg e seu grupo, cumprem a jornada, não sem a esperteza e presteza  do criado. O Inglês ganha a aposta, a amizade, a admiração de todos, 20. 000 libras e o amor.  THE END.

A Volta..., é o cartão de visitas ao período, com as poderosas Inglaterra, França  e um EUA, em seu exato momento de prosperar.
O retorno pela Terra Nova atesta o uso, já corriqueiro, das correntes marítimas no período, já domesticadas, conhecidas e mapeadas, e seria interessante averiguar se a “equipagem contrabandista” refere-se a escravistas, na época, sofrendo com a perseguição marítima levada a cabo pelos ingleses, o que poderia explicar as negativas seguidas de Speedy (veloz), que depois é preso ao camarote, o que em condições normais seria considerado como motim, na época, crime passível de enforcamento. Interessante também citar as artes do circo como arte Japonesa, e nos remeter a primeiros malabaristas e contorcionistas a surpreender a Europa, maravilhada com tribos, etnias e sociedades tão díspares e dá-lhe Papuas selvagens, Parses incréus e Indianos ferozes.
Devemos sempre lembrar que Verne, escrevia para adultos, era muito popular, e passava já naquela época por possuidor de muita criatividade. A melhor forma de prever o futuro é inventá-lo, então, resguardava-se, pois de críticas, narrando como crível, a Indiana sequestrada possuir “pele alvíssima” (pág. 74) e em não citar os problemas Ingleses e na época, Americanos, com os Chineses e o Ópio, trenós movidos a velas etc.

Ideais cavalheirescos, nobres decisões, riscos de perda por altruísmo, imagens vívidas que fazem de Fogg um “Nobre” da velha estirpe; aquele que ainda não vislumbrou o movimento de massas a se formarem. Ele é o aventureiro, Passepartout o carregador de malas. Fogg e suas múltiplas facetas encena o homem moderno da era Vitoriana, enquanto Passepartout, a um alter ego do simplório, homem comum, capaz já de decidir seu destino, mesmo de por vezes, ter de ser tutelado.

Os Países de “raça branca” estavam seguros de sua supremacia sobre povos não brancos da Terra. A inferioridade e passividade dos povos coloniais eram consideradas quase naturais. O que duraria até 1910 Com a Revolução Chinesa.

 Mas aí, é outra história.

*BIBLIOTECA JÚLIO VERNE – Título original: Le tour Du monde em 80jours.

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