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"Todas as tentativas de tornar as coisas compreensíveis se fazem por meio de teorias, mitologias e mentiras."
(H. Hesse).

sábado, 19 de março de 2011

Carnaval da Europa ao Rio


                “Rio 40 graus – Cidade Maravilha Purgatório da Beleza e do Caos”
                Ah! Tempos que passam... Que somam um Deus a Deuses, em uma dicotomia de mensagens, imagens, formas do sentir. Não narrarei, sobre o grande Dionísio, mais que o necessário. Sua sombra velada nos perpassa, mas isso não é, e não será tudo. Por acréscimo Dionísio (Baco) migrou do deus da embriaguez para o Deus da inspiração. Na antiguidade nunca houve ou ocorreram celebrações iguais, nas regiões onde se celebrava o culto a um Deus. 
 A Dionísio, duas formas de adoração soavam peculiares:
1) 0 caráter orgíaco;
2) A presença de mulheres.
                No início da primavera realizava-se a festa Antesteriass, o festival do vinho novo. Fechavam-se as portas das casas e dos templos, lacravam-se as entradas ao sagrado; pois nessa ocasião, as almas dos mortos vagavam pela terra sem perdão. Isso deu origem á outra lenda, mas o que nos interessa no momento, é o carnaval. Sigamos, pois... Ritos campestres, ligados a colheita, as estações, ao tempo, transmutados séculos após séculos.
                Os festejos do carnaval, com todos os atos e ritos cômicos que a ele se ligavam, ocupavam um lugar muito importante na vida do homem medieval. Além dos carnavais propriamente ditos, que eram acompanhados de atos e procissões complicadas que enchiam as praças e as ruas durante dias inteiros, celebravam-se também as festas dos tolos (festa stultorum) e a festa do asno. Existia também, um riso pascal, muito especial e livre, consagrado pela tradição. Além disso, todas as festas religiosas possuíam um aspecto cômico popular e público, consagrado por festas a deuses agrícolas, festas campestres, ritos silvestres. Era o caso das festas do templo, habitualmente acompanhadas de feiras. O mesmo ocorria com festas agrícolas, como a vindima, que se celebrava igualmente nas cidades.
                Entretanto, nas etapas primitivas, dentro de um regime social que não  conhecia ainda nem classes, nem estado, os aspectos sérios e cômicos da divindade, do mundo e do homem eram, segundos todos os indícios, igualmente sagrados e igualmente poderíamos dizer: ”oficiais”. Lembramos, também, que as festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial, marcante da civilização humana. Não é preciso explicá-las como produto de condições e finalidades práticas de trabalho coletivo. E aí atravessamos o regime feudal, religioso e comercial, de significações hierárquicas especiais, de compartimentação em estados e corporações.        Ao longo dos séculos de evolução, o carnaval da idade média, preparado pelos séculos de ritos cômicos, velhos milhares de anos, incluindo aí as Saturnais, originou  uma linguagem própria. O caráter utópico, valor de concepção do mundo, desse riso festivo, dirigido contra toda a superioridade social. A burla da divindade. São as celebrações carnavalescas portuguesas e espanholas, tão importantes na vida medieval, que vem dar ao novo mundo da América, essa festa burlesca, caricata, de antigas sapiências e ritos e que será acrescida de uma música criada pelos escravos, trazidos d’lém mar para o trabalho servil, mas só depois. Sigamos então... Ultrapassamos a Inquisição, o erro tácito, tático, social, e mental da Igreja.
                O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento. Isso é a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual e ideal, em abstrato. Degradar, desmascarar, encarar a degeneração. Na realidade a função do grotesco é liberar o homem das formas da necessidade inumano em que se baseiam as idéias dominantes sobre o mundo.
                Torcemos então ao fundeado, “o que está em baixo, é igual ao que se encontra em cima”, comum a crença escolástica e medieval. Transladando, isso é a definição de carnaval. Esqueçam religiões e política, grupos e camarilhas, deusas, deuses e igrejas.
Secularmente, o carnaval, é o anverso, o espelho, da praça, do mercado, da sociedade, da cidade, do mundo. Note a exclusão. Sai o campo, entra a cidade.
                Trazido por portugueses e espanhóis, o carnaval aporta aqui como troça, pilhéria, fuzarca, brincadeiras e folguedo. “Sábios ‘alfacinhas”. Aboletados nas cidades e seus co-irmãos d’e Espanha no campo, burilando, mexendo o cadinho, criando a mais portentosa festa popular do planeta. O “entrudo” se posta senhor absoluto da festa. Famílias inteiras digladiavam-se, janelas contra janelas, casas contra ruas, transeuntes, contra passantes, moleques contra cartolas. E dá-lhe água e seringas, bacias e bolotas, um aguaceiro gigantesco e espaventoso. E logo, logo, no século XVIII e XIX a birra, a esculhambação, incomodam a jornais e porção do povo ricos e medianos , donos de cartolas e polícia, incomodam a uns , mas não a todos. O remoque da brincadeira passa a ser motivo de outra batalha, outros personagens, recém absorvidos por nossa incipiente nação. O carnaval culto e civilizado da Europa, a Itália e suas mascaradas, sua música, sua voluptuosidade velada, familiar, toda uma hipocrisia, vendida aqui, como sinônimo de cultura.
                O povo, o povão, não se deixa enganar com as reclamações vazias. O entrudo e sua aguaceira, dura até o começo do século XX. O carnaval é vida, baseada no princípio do riso. A festa é a propriedade fundamental de todas as formas de ritos e espetáculos cômicos desde a Idade média. O carnaval é a segunda vida do povo.
                No Rio, capital Real, do Império e futura República, as personagens da Europa se apequenam, ou transmutam. Vulgarizam-se, mas sempre se enaltecendo, perdendo sua crueza, alcançando uma ternura doce e branda. Perdem sua densa pantomima teatral, violenta e sexual da praça pública de uma Europa Medieval.
                Arlequim, Pierrô e Colombina adentram ao recinto tropical, cara em riso franco agora. As pilhérias nas ruas, os dominós e diabos, os doutores da mula ruça, os “velhos”, os negros de índios, os Zé Pereira e seus bumbos, os escravos, eles fantasiados de si mesmo. Isso sim a diferença. O que marcará a fronteira da mudança será a mesmice do comum. Os escravos e libertos, naquilo que se denominava de Cucumbis ensaiavam sua participação com seus “enredos” semelhantes em todo o país.
                Um desfile de danças “dramáticas,” apresentadas em português, mas cantadas em línguas ignoradas pelos folcloristas. Cantavam e tocavam em roda, e desfilavam batucando pelas apertadas ruas da cidade. Apresentavam rainhas e reis, vinham com seus atabaques, os que de índio travestiam-se, cocares e penas pelo corpo ostentavam os instrumentos, que se podiam facilmente construir: ganzás, agogôs, xerequês, tamborins, chocalhos, marimbas e adufes. O feiticeiro, portando animais da floresta: cobras, lagartos, pássaros, alguns vivos, outros empalhados, evidenciavam seu poder sobre a natureza. Apareciam como primitivos, infantis, pitorescos e não como uma ameaça da mesma natureza, daquela representada pelos diabinhos, dominós etc. Evidenciando um inaudito respeito, enquanto atacavam a brincadeira imorredoura do entrudo, clamando por um carnaval similar ao Italiano ou depois, europeu, os jornais não comentavam negativamente tais apresentações de negros, citando-as quando muito como pitorescas.

 Bibliografia:
A Cultura popular na Idade Média e Renascimento (no contexto de Rabelais) Ed. Huicitec - 2ª Edição;
Ecos da Folia - Maria Clementina Pereira Cunha - Ed. Companhia das Letras;
No Tempo de Ari Barroso - Sérgio Cabral - Ed. Lumiar;
Os Meus Romanos - Ina Von Binger.

 

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